domingo, 31 de janeiro de 2010

Imagens

Eu, nuvem de água
Nuvem de vapor que derrete
Em chuva.
E tu, terra fresca
Areia e adubo do denso chão.
E eu chovo por teus poros
Adentro teus vãos
Faço-te barro
Enlameio teu pó.
E tu ventas tua terra
Sobes tua poeira
Sujas minha água.
Eu,
Eu molho teu limbo
Misturo tuas entranhas.
E tu,
Tu me ressecas
Tu terras meu céu.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Metapoesia

Lápides e lavradores
Lá entre as folhas
Caídas de árvores.
Lavras e larvas
De raiar e descer
E árvores secas
Sob o sol
Do anoitecer.
Pás e enxadas
Servidas de terra
Ou de pó
E o ramo
A desnascer.
Facas e sementes
E o ramo no chão
A se desfazer.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Poema aberto

Não é uma questão de posse,
Nem de quem é o pintor;
É só pela fria pá de cal que me jogas.
Tudo se envolve num casco
De desarmonia;
De dias pintados à mão
Subitamente xerocados
Num preto e branco lato senso
De impressoras casuísticas.
E pior, a fresca tinta vermelha
Que eu tinha composto
Sobre a tua panturrilha
Manchou-se em cinza
E riscos desbotados
De um lápis velho.
Vês?
Não sou eu,
É a tinta
Que se fez em lascas
Sobre o monitor de uma máquina qualquer
Jogada num outro canto
De onde nunca mais tirarás o resquício.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Trovão

Esta é a marchinha
Sem pé ou cabeça
Das noites doentias
Sem teto nem chão.
Esta é a noite doentia
De chuva vazia
E calafrios bizarros.
Esta é a chuva tardia
De um dia sem sol.
Este é o teto restrito do sol.
Este é o atrito finito do chão
Que num escorregão
Troca os pés por cabeça.
Este é um amor
Que caiu num teto doentio
De noites chuvosas
E escorregões ensolarados
Pois perdeu os pés e o chão.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Das entranhas

Hoje a pele se rasga
Enquanto o estômago implode;
Hoje aquela fita rosada
Trançada entre os dedos
Queimou-se
E derreteu minhas mãos.

Liquidez viscosa

(Escrito em Janeiro de 2008)

Nada do que eu rasgo é vivo
- não parece vivo -
são só eletricidade
num maquinário de papel
onde as almas espiram
num rodopio de existências,
de verdades distorcidas,
codinomes inventados -
numa ressaca meio premeditada.
Qual meu nome?
Não consigo rasgar meu codinome
ou queimar a papelada sem tomar choque.
Sou teu nome
ou é o teu que se parece com o meu?
Sou o espelho ou a imagem que verteu?
Estou sofrendo ou a dor de cabeça
escolhi?
Eu só queria rasgar umas folhas
tapear umas páginas
queimar umas espiras
mas tapeei - rasguei - queimei meu nome.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Céu em queda livre

O grande problema, meu bem,
Não é o tráfego
Não é o excesso de livros
Ou de gentes.
A chave de tudo está
Na peça da minha cabeça
Que encaixa na tua
E destranca uma porta
Que dá para um espaço vazio,
Um céu em queda livre:
E dessa porta ouço o som
De tráfego, livros e gente
Que não se cala nunca.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Simulacro

É de peixes a lagoa
Putrefata de peixes
Salgada
Cinza
De tantos peixes
Nem lagoa é
É pura areia
Com gosto de mar e escamas
Que se amontoa no ar
Gritante
Turbulenta
Nojenta
Lembro só da visão
E do cheiro
Que de prata desbotada
E velharia orgânica
Tentou me convencer
Ser lagoa.