sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

À espera de mais um reencontro

Passados os minutos
Do remorso desleixado,
Havia sempre aquela constante voz
Enterrada num dia frio:
Era voz de Juliana
Ou Carolina,
Ou alguma outra dessas
Que ficam em mim
Dizendo dos dias frios
'São assim mesmo',
E vendo em cigarros vazios
A inebriante presença que falta;
Cotidiano é assim:
É querer bem-me-quer incessante
Colado nos cabelos
Vestindo as minhas roupas
Dizendo repetitivamente que
C'est la vie, c'est l'amour, c'est toujours,
Num poema escrito rápido, sem pontos
Ou intervalos
Que começa no fim
E termina no princípio,
Sem saber do que fala,
Querendo nascer.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Cheiro relapso

Tudo cheira a fumaça de cigarro
Num longo ramo que lhe nasce
Para bordar um buquê,
Mas basta uma brisa da janela
Que embola no caule um laço
E cada pétala faz morrer.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Desabafo

Ave tempos de pedaços,
Esses esparsos
Que não dizem nada
E vão falando
Um discurso passivo,
Brigado com todos,
Furioso consigo,
Perdido no umbigo
Sem subir nas entranhas ou descer.
Querem pular da janela
Mas temem o chão;
Querem ficar de joelhos
Mas os pés doem pedindo o assoalho.
Enfim, estes tempos só queriam falar.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

As nuvens

Parece que agora as nuvens estão andando
E vão para algum lugar que poderia me importar.
Mas vale-me mais pensar nas nuvens que vêm chegando
E o novo céu que elas desenham no seu passar.
Quais estrelas mostrarão?
Quais ocultarão?
Que vento lhes traz,
De que direção?
Correm hoje soltas
As nebulosas áureas na cidade;
Entram nas ruas, corretas ou perdidas,
Seguindo o fluxo ou na contramão.
Mas tudo ainda parece ter um mesmo destino:
O que sempre há de vir e passar são nuvens.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O último poema da varanda

Houveram noites do morcego negro
Que eu temia
Mesmo na inofensividade de seu voo.
Ele me olhava e trancafiava,
E por anos me escondi.
Minha varanda ficava fechada
Meu céu, envidraçado
E a rua, muda.
Hoje aqui fora estou
E não vejo o rapinador.
Hoje a noite é do gato branco
Que chega, me vê,
Manda-me abrir a cortina e o vidro
E passa esguio
Por seu próprio caminho,
Sem ninho ou rapina,
Apenas uma breve passarela.

Expto Nº3

(Escrito em 12 de Junho de 2008)

Na ausência do título,
Vou à experimentação
Do beijo seco
Que é a nua
Metalinguagem.
Fiz poesia?

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Expto Nº2 (ou o Poema do inorgasmo)

(Escrito em 31 de Março de 2008)

Beijaram minha boca
Nua e branca
E um grande fio de saliva crua
Dependurou-se.
Sou a gueixa do básico,
O fático ser;
Maculo os meus pensamentos
Com manchas escuras
De uma lata de tinta vazia.
Dentro do meu castelo
Vive um minotauro
Com cabeça de homem;
E eu fujo desesperado
Da memória dos seus olhos de touro
(Se bem que não me lembro de os jamais ter visto).
Meus contos de fadas
São eróticos
E as princesas
Meretrizes
Que choram todas as vezes que são contratadas
Mas sempre tornam a trabalhar.
Sou a gueixa do esdrúxulo,
Do vaso (sanitário) enfeitado;
Entrego-me como puta
A fantasmas de coringas
Que não consigo calar;
Não compreendo um raciocínio
Enquanto gritam em mim
Gargalhadas desfocadas
Que giram loucas em meus olhos:
Flameja a cegueira...
Afinal, tudo retorna
A um beijo cru,
Remonta a um sentimento nu.

Perfume

Podes sempre amar a cor dos dias floridos,
Mas nunca te esqueças de procurar neles
O perfume que não vês,
O perfume que resta,
O eterno perfume,
Piegas perfume.

Nota: Experimentos

Vim por meio deste breve interlúdio fazer alguns comentários acerca dos próximos poemas que postarei. Em se tratando do primeiro, gostaria de explicar que ele foi inicialmente concebido como segunda estrofe de Conto de Amanda, mas depois de uma análise mais profunda (propiciada por uma discussão com uma amiga minha), percebi que havia uma ruptura grande o sucificiente para torná-lo incompatível com o discurso da personagem, já que se relacionava mais a uma opinião pessoal do autor. Desta cisão nasceu, então, Perfume.
Em segundo lugar, destaco que postarei alguns poemas nomeados Experimentos. Entretanto, como há de se notar, começarei tal série com Expto Nº2 (ou o Poema do inorgasmo). Isso se deve ao altíssimo grau de pura experimentalidade do primeiro poema da série, o que me leva a considerá-lo mais como uma quebra do meu antigo estilo no sentido psicológico da escrita. Portanto, não hei de postá-lo.
Gostaria também de destacar que estes poemas, e os subsequentes, são poemas mais fortes, e lidam com palavras que têm intenções mais explícitas de confrontar o sentido moral com o qual costuma-se tratar a poesia.
Dadas estas considerações, seguem as duas supracitadas postagens: Perfume e Expto Nº2 (ou o Poema do inorgasmo).
Beijos e Rosas.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Conto de Amanda

O amor era piegas
Em seu viés degringolado
De passos desleixados;
Tinha dias daqueles
Tão gostosos de descuido
Em que eu mirava o rosto dele
Como quem mira um chateau francês
Ao pôr-do-sol; piegas.
Vem cravado na memória
Aquele amor de sempre,
Que todo mundo já amou
Ou quis amar,
De sorrisos bem feitos
E vidas desfeitas por um traço
De uma saudade constante;
Eram dias floridos de pura cor.
Mas... Estranho,
Dia desses de calor
Acordei meio tonteada
Numa cama que não era minha,
Um colchão endurecido,
Num quarto negro
De estranhas vozes a passar.
Eram tons tão rebuscados
Sem imagem, sem contorno,
Que me senti perdida;
E ensandecida
Gritei pelo nome de meu amor,
Que paciente respondeu
Pedindo calma e sossego;
Colou na minha mão
Pincelando um beijo em minha testa -
Senti naquele beijo doce e amargo
A história dos dias que meu tempo esqueceu;
Entendi que os dias floridos
Não teriam mais sua cor.
Fomos eu e os dias pálidos,
Murchos, secos, frios,
E trouxe embora os calafrios
Até a porta de minha casa,
Que já nem me parecia estar lá.
E cruzada a porta
Do que soava como meu perene destino,
Meu amor trouxe um buquê
Do perfume mais intenso
Que eu jamais tinha percebido,
E ao som de uma Modinha
Criou em mim a cor dos novos dias
Mergulhados em fragrância pura:
Diz que eterno morreria
Buscando em mim o seu amor.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Finalística reversa

Olha bem estes pedaços
E hás de descobrir
Que suas bordas quebradas
São, de fato, esculpidas.
Fita os estilhaços
Dispersos no caminho
E verás o desenho do tempo
Sobre os teus descaminhos.
Tudo o que dizes findado
E que resumes: 'é assim',
Entorna no tempo devasso
Um relapso e eterno desfim.
Falta no momento
Momentaneidade
Sobra nos segundos
Atemporalidade;
Então colhe os pedaços
E cola estilhaços,
Pois nem o tempo
Há de dar-lhes fim.

Indesejo

(Escrito de 06 a 07 de Maio de 2008)

Já me tramitaram pensamentos que matei;
Percorreram-me vícios elétricos
Num circuito fechado, conservante,
Espesso e acelerado.
Eu corto os fios.

A gruta d'alma afogo,
O poço, entulho -
A pista, aterro.

Calei muitos loucos em mim,
Acordei silêncios e falas pactuadas.

Eu não olhei em teus olhos,
Não mais.
Era preciso trancar a porta.

Mas essa semana
Tramitam-me ressurretos,
Queima-me uma intensa corrente
- não há lápides ou fios,
Mas cá estão: pensares e anseios.

A caverna jaz seca,
O poço transborda
E a rua está limpa.

Os laços estão excomungados,
Queimados e inválidos.

Eu só olhei em teus olhos
E a porta trancada
Desabou.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Carma

Todo dia tem um carma,
Um momento,
Um espasmo de brilho.
Uma vista, uma paisagem,
Um beijo, uma palavra;
Qualquer coisa,
Qualquer tento,
O sol, a lua, alguém;
Um café, uma saída,
Uma foto, telefonema.
Todo dia tem um sorriso
Dentro, fora ou ao avesso;
Nem precisas procurá-lo:
Nele cais com um tropeço.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Frutifera

(Escrito em 21 de Outubro de 2008)

Daqui jazem mortes inexplicáveis
Donde se faz alguma vida -
A corrente ambígua
Em estado de choque,
Ou simples estagnação
Corrida, apressada!
Caça as cores espúrias
Que elas estão vazando desenfreadas
E não se sabe bem por quê;
A garganta está sangrando
Sangue implícito
Que se recusa a explicitar
E flores nascem no rasgo da pele
Já perdidas na noção de senso...
Eu não sei se são puras ou impuras!

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Namoro

Pasme meu bem,
O amor é assim mesmo:
Engole os dias
Corre os anos
Vence perfume
E espalha cheiros
Desses que só sentes
No canto do meu pescoço.
É, meu bem,
Amar é bem isso:
É uma tarde de samba,
Um pouco de vinho
E fingir doença pro trabalho
Numa quarta-feira ensolarada.
É nas colchas,
Nas fronhas amassadas
E panelas queimadas.
Sim meu bem,
Eu amo é desse jeito:
Andando pela casa
Enrolado no lençol
E nas tuas pernas,
Preso entre teus braços
E tua risada
Que se enrosca
Entre um beijo e outro
Antes de se abrir no sofá.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Barro branco

Tenho um jarro grego
De barro branco
Bordado em tinta vermelha.
Em seus traços, Áries e Afrodite
Cruzam olhares e pernas.
Todos os dias levo meu jarro
Numa longa caminhada
Através dos montes e bosques
E encruzilhadas vazias.
São dias ensolarados
Com uma constante garoa
Como aquelas que desenham
Imediatamente um arco-íris
Enquanto caem.
Todos os dias meu jarro
Junta garoa na caminhada
E peso nos passos,
Sempre mais pesados passos,
Enrolados na fina pele de água
Que escorre nas pernas,
Braços e rosto.
Todos os dias cambaleio exausto
Com o jarro nas costas já cheio,
Transbordando,
Inundando meu cabelo
E meus olhos;
E o céu escurecendo.
Chego enfim às margens
De um longo e calmo rio
Trazendo o jarro e suas nuvens:
E ali, imerso em suas bordas,
Ali as despejo -
Sua água se esvai
Conforme a chuva termina;
E o céu clareando.
Fito os deuses
De braços entrelaçados
Em amor e guerra;
Fito o rio
Com águas de chuva e corredeira;
Fito o céu
De luz e negridão
E volto no meu caminho
Levando o jarro lavado
Que amanhã trarei
Ao caminhar.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Rebeca

Rebeca era do tipo
De tango a se dançar
Era alma de poesia
Dentro de um violino.
Acendia os holofotes
Quando seus saltos vermelhos
Tocavam o piso de madeira.
Tinha os olhos de um chacal
Em noite de caça
E o sorriso de loba
Sob o luar.
Rebeca e seus seios
Haviam na imaginação
De todos os homens no recinto,
Mas os seios de Rebeca
Não eram em vão:
Eram de densa mulher,
Das que arrastam vestido
E bordam os olhos com prata
Andando nas bordas da cidade.
Finda a dança de Rebeca
Ia a noite começar
E toda aquela mulher exposta
Em pele que não era sua
Ia fazer outra dança
Sob o vento
Que lhe batia à janela.
E esmurrava o batente
Gritava a ventania
Balançava a cortina
Antes de enfim se fechar.
Pois quando fechava,
Fechava à navalha:
Rasgada a cortina
Ia se vingar do frio
Cortando o vento
Cessando o dançar.
E finda essa dança
Ia Rebeca às águas,
E se afogando no banho
Ressuscitava.
Rebeca rasgou-se na vida,
Cortou-a em retorno
E fez-lhe chorar.
Rebeca não chorou na vida;
Deixou que a vida chorasse nela,
E coberta de lágrimas se banhou.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Queres saber quem és para mim?

Vejo esses olhos de fogo
De olhar torpe
E me entorpeço.
De tão são meu corpo
Quer ser louco
Como as chamas da tua língua leonina:
Dentro da paixão de menina
Sobra a força de mulher
E sua raça felina.
Vejo os passos de tigresa
De vermelho ardente
Queimando o chão;
Põe pra fora os gatázios
E grita de razão
Que os teus rugidos
Arrepiam meu corpo,
Tão são.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Poema do início

Reta - curva - plano
Tudo parte de um ponto
E eu ainda não sei
O que desenhar.
Porta - ponte - piano
E nem o ponto
Sabe me dizer
No que vai resultar.
Cada um dos mil pontos
Que a vida vai a escrever
Conta um traço
Traça um conto
Que não sabe o que viver.
Cada entrada que atravesso
Sai de um ponto para a estrada;
Cada rio tonteado
Tem, num ponto, rua elevada;
Cada tom que desafino
Tem outra nota, afinada.

Reta - curva - plano
Tudo parte de um ponto
Que ainda não sabe
Como me desenhar.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

A tua poesia

As minhas palavras acabaram.
Falaram, a viajar, perdidas;
Perdidas no tempo
Perdidas de amor
Perdidas em olhar
Quando você sorri
Ou simplesmente me olha.
As minhas palavras, meu amor,
Cansaram de falar
E agora só te querem fitar
Num simples estado de amar.
Elas querem criar uns versos
Que possam sussurrar,
Umas rimas fáceis
Para aos teus ouvidos cantar.
As minhas palavras
Querem com teus lábios se juntar
E virar poesia que eu possa
Em teus braços encontrar.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

O palco

Essa
É só mais uma
Das facetas
Que inventei.
Dessa
Flui mais uma
Das tortas retas
Que ser sei.
Nessa
Some mais uma
Das razões-metas
Que não sei.
Então peça
Que os espelhos
Saibam reproduzir
Antes que os tempos
Percam-se em peças
De teatros
E os segundos
Em vãos retratos.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Rebuscado

A poesia vem tendo muitas lantejoulas
E apetrechos plastificados.
Sua roupagem de purpurina
E sapatos flamejantes
A muito deixaram o senso
De força e expressividade.
Falta nas manjedouras
Loucos poetas desenfreados
Que não vivam de penicilina
E saibam ser amantes
Sem o esdrúxulo consenso
De que o amor perdeu vivacidade.
Doem algumas palavras no meu íntimo;
E doem de tanto gritar,
Purpurinar e flamejar,
Mas de tão lantejouladas
Tornam-se apenas plástico em bolha
Que respinga um leve estalo
Abrindo caminho
Para um próximo estalo.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

As poucas palavras que tenho

(Escrito em 30 de Novembro de 2008)

Era a noite
Que me prometera
Entusiasmo.
Dissera-me
Não haver amanhã;
Fizera-me bicho,
Carne
E agora pó,
Pois amanhã chegou
E não promete
Como a noite.
Promete ao bicho suas penitências,
À carne, seu sangue,
E ao pó, o pó.

Não culpo a manhã por seu nicho
Ou o sol pela luz;
Não acuso a noite pelas juras
Nem tal a lua por suas trevas;
Tenho só ao bicho,
Carne,
Pó,
As palavras.
Mas calo
E deixo que amanhã resolva
Que há de ser.
Se quiseres, me mata.
Se conseguires, perdoa.

Mas se puderes, me ama,
Que no fim
Só este amanhã
Eu consigo esperar.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Poeminha

É fato, de fato,
Que a alma da gente
Sente o tato
E solta a própria corrente
Pra que tente sorrir
Quando percebe um beijo
Que lhe abre as mãos.
Ou será que fecha?
Fecha juntas, coladas,
Entre gente tão vã
Que se torna tão sã
Tão firmada,
Mais descompromissada
Com o que há na esquina.
E o que era paciência tão fina
Vira humor consistente
Num pedido persistente
De mais fatos, fatos e fatos,
Pois todos os tatos
Não cansam se a gente
São eu, você e um amor latente.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Esteticida

(Escrito em 10 de Novembro de 2006)

Olha o meu padrão de tintas
Iguais às tuas, garanto, iguais;
Iguais às deles, garanto, iguais.
Não são bonitas
As minhas fitas tintadas,
Que me esmerei em copiar
Da rua, quanto tu não me gostavas,
De ti, quando a rua me chutava,
Até meu gosto em vós se equilibrar?

Vê, admira e aceita
A minha prática de ser-te
Minha seita de ser todos
E de todos serem eu.
Vem e copia minha tinta
E me risca onde não gostares mais;
Pois quem gostaria de ser diferente,
Esquisito neste mundo dos iguais?

Mas não me vem,
Não me vem por me apreciar
Que senão minha tintura quebra
E verás a casca escura e mal formada
Da pintura que no barro sou.
Só me olha,
Só me olha de longe,
Que daí de onde estás sou ideal,
Por trás de telas e mensagens contorcidas
Para caberem no meu mundo virtual.
Não te esquecas desse meu simples pedido,
Que também fizeste quando eu quis te apreciar,
Pois assim fica mais fácil e bonito
Ser ornato para estético ornar.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Duas da manhã

(Escrito em 1º de Maio de 2009)

É engraçado...
Eu nunca tinha reparado
Que o céu de São Paulo tem estrelas.
Jamais tinha olhado para cima
A procura de alguma coisa,
Com um sorriso nos lábios
E o vento gelado no rosto;
Parado no tempo e no espaço
Sob um distante piano a ecoar
Naqueles mil vasos de luz cintilante.
Só hoje eu percebi
Que a madrugada discreta
Canta uma singela canção,
Daquelas que só se ouvem no silêncio
De um cigarro na mão
E uma chama no coração
Na varanda, às duas da manhã.
Foi quando eu descobri,
E com um leve riso enchi-me de lágrimas:
Até a tenra estrela brilha mais,
Pois o céu de qualquer lugar
É muito diferente
Quando se está a amar.

domingo, 6 de setembro de 2009

Sorrisos frágeis

(Escrito em 28 de Maio de 2009)

O problema da felicidade
É não ter tanto problema
E um dia, assim,
Sem mais nem menos,
Felicidade passou
E não deu aviso
Não deixou lembrança
Só a desconfiança
Do que me deixou.
A verdade da estabilidade
É ser imprevisível
Sob os lençóis;
O riso da fragilidade
Ri mais alto agora
Que sólido se tornou.

sábado, 5 de setembro de 2009

Desvairo

(Escrito em 28 de Janeiro de 2009)

Não sei bem
Quanto tem de calma
Ou quanto de stress
Quanto de espaço
Ou de aperto
Se faltam parafusos
Ou sobram razões
Se amo ou apaixono
Ou os dois...
Se quero, desejo,
Preciso ou venero;
Giro, tonteio,
Corrijo, ando reto;
Acelero demais
Logo freio - e paro.
Não sei bem, não sei bem...
Parece que o mundo é de fogo
Ou de água
Ou os dois;
Que tudo se inflama e apaga
Num piscar de olhos
Quando entras pela porta
E quando por ela sais.
Parece que vou me rasgar
Ou me encontrar
Ou não sei...
Não sei bem, não sei bem
O que é que me faz
Esse bem que você me faz.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Escarcéu

Veio o que se dizia
Uma brisa de três da tarde
Brincando no véu de cortina
A viajar na sala.
Foi ficando mais longe
A navegação
E mais indiscreto o escarcéu
Fazendo minhas folhas de papel
Porem-se a rodar no quarto
E meu cobertor
A redemoinhar sobre o corpo,
Até que se disse o batente farto
E minha cama se sentiu nua;
Então se esmurrou a porta
E fechou-se a janela,
Mas já era tarde:
A poesia vagava pelo vento vazia
E sua pouca tinta que restara
Jazia esparramada pelo chão.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Das amantes

Salve, salve, Ulisses!
Vejo que vais por aí
De trejeito, franzino, disperso
E descaminhas perplexo
Os olhos embriagados.
Ora, Ulisses chora,
Mas chora homem, esbravejando,
Pois descobriu essa noite
Que a mulher lhe roubou o quinhão.
E sofre das dores Ulisses
De ter seu amor traído
Mas sofre mais com a dor
De saber estar em contas bem pago,
Pois vale contar que também
Ulisses roubou o quinhão
Da esposa que por tanto tempo
Teve um pleno vazio nas mãos.
E esperou a donzela, paciente,
O retorno dos infindáveis empréstimos
Que homem faz quando bebe
E sai, todo esguio, na rua.
Pois bem, eis que o tempo de acertos
Finalmente para Ulisses chegou;
Perdido na casa vazia
Vê o preço que de si mesmo roubou:
De tantas amantes
Só não restou aquela
Que importava restar,
E agora, pobre Ulisses,
Vai eterno buscar conforto
Nos braços das endinheiradas
Que aceitaram quinhão alheio.
E em cada braço que pare
Vai morrer-lhe um pedaço da mente
Que lembrará pelo tempo que reste
O que restou nos braços de outro
De um amor que cansou de esperar,
Um amor não mais remitente.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

O tempo do vento

Não posso mais com o vento
Que me arrastou para aqui
Como grão de pólen.
Não sou mais areia infértil
Nem folha estéril
A rodopiar.
Posso mais com o tempo
Que de ventos a passar
Formou-me formosa
Flor do campo
Montanha de encosta
Lírio selvagem
A mirar o vento serenamente,
E nas brisas a passar
Lançar-lhe meu pólen
Meus grãos de areia
E minhas pétalas
Que no rodopio vão se perder
Para se encontrar.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Sal

É de dar agonia
Um dia de tanto sal
Que cobre as planícies
E arrasa a língua.
A boca se morde, exaspera,
Sem saber o que esperar
Além da próxima duna.
É de calar teu calado
E de rolarem as horas
Que se amontoam
Como praganas nuas.
É de se chorar
A inexistência de choro
Que se represa
No profundo do chão
Implorando estourar.
É de tonteio
A distante miragem
Do contorno de teu corpo
Envolto na névoa do sol.
É insano
O eterno exílio
De um único dia
Enterrado aos ouvidos
Num deserto de sal.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Romance

(Escrito em 26 de Novembro de 2008)

Posso comer chocolate
A meu jeito?
Hoje quero amargo,
Amanhã o quero doce,
Mas sempre derretendo
Tão suave
Entre meus lábios.
Não pare de trazer-me chocolate;
Faça-me passar mal,
Dizer não,
E continue.

Quero só o teu chocolate,
Que mais que puro cacau
Viciou-me;
Esse desejo
Que ainda vai me matar
De um jeito doce ou amargo
Que eu vou amar.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Dia

Cava um pouco aqui
E é possível que encontres
Só terra.
Esculpe
E sobrará pedra.
Desculpe,
Hoje não é um bom dia.
Faltou no trabalho um rendimento
E no meu amor um pouco de afeto.
Se quiseres falar,
Fala aí, ao vento,
Que eu ouço aqui,
Ao relento,
E quem sabe alguma palavra consiga ficar.
Se quiseres beber,
Bebo junto,
Que esse dia requer um conjunto
De bossa, poesia, cigarro e cerveja.

The longing

(Escrito em 20 de Maio de 2008)

Estar sem você se resume
A fazer bolhas de sabão:
Talvez surjam sob um arco-íris,
Sejam grandes,
Lindas,
Eufóricas,
Champânicas,
Mas sempre estouram no assoalho bruto.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Formação

Cansei dos dias
Em que vossos mundos me devoravam
E vossas palavras rodeavam as minhas.
Fiquem com a parafernália
De parabrisas e parapeitos
Enquanto eu abro os braços sob o vento
E o corpo sobre o infinito.
Engulam os canivetes;
Eu não tenho a obrigação de suportá-los.
Esquecem que tenho aqui espadas
Que contra vós nunca levantei.
Agora degusto a rua
Com minha própria língua;
Devorarei sem contenções
O incrível, o horroroso
E cuspirei o medíocre.
Vossas papilas já não me dizem com precisão
O que devo querer.
Por isso, sim, começarei com o que dizeis podre
Só pelo prazer de ver os semblantes assombrados;
A podridão dá um dos primeiros sabores
Que todo ser deveria descobrir: a autonomia,
E com esse gosto nos lábios
Poderei encontrar as asas que faltam
Para o infinito.
Então percebereis que não só o vosso incrível consegue voar;
Às vezes é o horror que arrepia as penas,
Pois pode ser que os vossos mundos
A mim sejam meros medíocres.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Um longo suspiro

Todos os touros da tourada
Todas as penas do travesseiro
Todos os loucos do manicómio
Todos os poetas da história
Todos os deuses de uma alma
Todas as almas de um só ego
Todas as voltas da mentira
Toda a mentira das verdades
Todos oásis no deserto
Todas as ilhas no oceano
Todo pecado do mundano
Toda primazia do divino
Todos amores do humano
Todos rancores de uma mente;
Todos os tudos
Todos os nadas
E ainda sobra
Desalento.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Inventário

Olha, eu tenho aqui pra vender algumas coisas,
Queria me desfazer de umas velharias
E algumas caixas vazias;
Tem também uns enfeites de jardim,
Um jogo de talheres
E um relógio do meu avô.
Pode ficar com a bicicleta do meu filho
E o computador da minha filha;
Eu lhe faço um preço especial.
Aproveita e leva logo as crianças
E puxa nessa mala meu casamento,
Quem sabe um pingo de moral que ainda guardo na cozinha
E um quadro antigo de ética que está empoeirado no baú.
Faz assim, fica com a minha cabeça
Que a boca já ta meio torta
E os olhos gastados,
Que eu lhe fecho a promoção entregando minha cova.
Mas vê se não se esquece dos enfeites de jardim.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A roda do violão

(Escrito durante o 1º Semestre de 2009)

A roda do violão
Toca mil melodias
Mas não toca o meu coração
Que se afoga em outras agonias
O fogo daquela fogueira
Aquece as mãos lá no frio
Mas queima na minha memória
A lembrança de um dia vazio
Pois falta no meu abraço
Um pedaço que longe ficou
E dói no fundo do meu peito
A saudade de quem perto amou.

A um palmo do chão

Cabe na palma da minha mão
O mundo que tenho
Some na minha canção
Desafinada o ganha-pão.
Na garganta seca
Tranca a guelra
E busco o sonho.
Que sonho?
Do pão que o ganha-pão
Não complementa;
E faço esse meu complemento
Do suplemento da ilusão:
Num espasmo de delírio
Inspiro o suspiro
Do morto-vivo.
Cabe num trecho de chão
A minha ciranda
E verso cantado.
Aqui essa minha cantiga
Implora e espera
O tilintar assobiado
Entre o asfalto e a moeda.
Então ouça a minha poesia
De olhos viajados
E garganta trincada,
Pois todo o mundo que tenho
Cabe na palma da tua mão.

Cintilante

Contaram uma vez
Alguns contos de fadas
Falando de amor como um fogo repentino;
Mas ninguém há de dizer
Que a lareira que acendi pacientemente
Não é amor.
Eu não sei criar uma faísca
Simplesmente do ar
Que, sem titubear, se faça num sopro.
O meu fogo requer carvão
Que despedace e suma
Entre tantos e tantos sopros.
O meu fogo quer carinho
E afagos eternos.
Meu fogo é mimado, é grudento, ciumento
E não cansa de pedir cuidado;
Não tem a magia das fadas
Mas canta como os anjos.
Meu fogo não se alastra no mundo
Mas brilha à noite, entre dois, na sala de estar;
Meu fogo não se vê dos bosques
Mas pede sempre um buquê de flores ao lado,
Na mesa.
Meu fogo não sobe alto aos céus
E incendeia a paisagem
Mas nunca se cansa nem se apaga.
Meu fogo não só diz 'eu te amo';
Também escreve com suas chamas.
Eu não fogueio como um conto de fadas -
Eu tenho um fogo que quer amar
Um amor que é só meu e teu.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Firmamento

(Escrito em 09 de Junho de 2009)

Era esse
Um amor desses
Que se perdem em si mesmos.
Era uma linha sinuosa
Contornando um mar turbulento;
Uma vista embaçada
E um desejo fraudulento.
Era uma menina,
Um menino,
Dentre os quais não havia fim;
E tanto desfim fiava as almas
Que se desfiavam emoções
E já não se conheciam suas razões.
Era um desses
Amado secreto
Mas indiscreto -
Perdido no mar
Entre o fundo perpétuo
E o céu eterno.
Era o sal nos olhos
Perdido feroz
Nas ondas;
Mas era a espuma
Deitada nas coxas
Incendiando veloz
Os olhares.
Eram eles
Dessas mentes ambíguas
Donde não se encontrava
Menino ou menina,
E no entanto era o amor
Desses completos
Que se complementam
Em febre, em ardor.
E doera nos olhos o sal,
Sufocaram as ondas,
Confundira o segredo
E as emoções desfiadas;
Mas era esse amor
De febre tão intensa
Que os desejos espumantes,
Os olhares trocados,
E almas coladas
Firmaram as asas -
E no firmamento
Perderam-se juntos
Sobrevoando as marés
Profundas e rasas.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

O infante

Havia uma criança
Que brincava com seus bonecos
Por trás de uma janela de vidro
E suas travessas castanhas de madeira.
Sentada naquela casa
Que já jovem não se dizia
Ia fazendo suas criancices
Que, de alguma forma,
Faziam-lhe sentido.
Tramava histórias e aventuras,
Monstros e heróis.
Criava estranhas criaturas
E pessoas diferentes.

Porém o pequenino não sabia
Que fora daquela casa
A chuva de sua estória real se fazia
E todos os contos se distorciam
Pois aqueles seus inocentes brinquedos
Continham as almas de outras pessoas.
E seguia a criança com as fantasias
De seus bonecos de vodu
Sem entender que as almas,
Quando se quebram,
Não podem se consertar.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Rosas e begônias

Odeio como não me deixam amar-te com begônias
E dizem: begônias, não! Dê rosas. Todo mundo gosta de rosas.
Mas eu quero dar-te um buquê de begônias
Bem no meio da passarela, para com um sorriso sincero dizerdes:
Não são rosas, meu amor.
Por que não - não são rosas que vão contar as histórias das begônias;
Não são rosas que vão dançar ao vento como dançam as begônias.
E, no entanto, o que não entendem?
Acho lindo darem rosas; e daria se quisesse.
Mas elas não têm o perfume que eu sinto nas begônias.
Sim, eu queria dá-las a ti em plena estação de trem,
Porém tantos buquês de rosa, imersos em seus espinhos,
Sufocariam as nossas begônias
E não restaria flor para com sorriso receberdes.
Então, meu amor, eu te peço desculpas,
Mas só te darei uma silenciosa begônia, escondida entre as nossas paredes
E te contarei o que sussurra essa flor oculta:
Fecha os olhos e imagina que estamos num campo de rosas e begônias
E lembra que tudo o quanto amam as rosas, também amam as begônias,
Pois, no fim, são todas flores e um dia hão de se entender
Como flores amantes que são.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Quem?

Termino esta série introdutória com meu mais recente poema, de ordem experimental, que segue a linha de autoanálise e autocrítica que eu tento observar na maioria daqueles protopoemas que chamo de 'egocêntricos'. À partir daqui, tentarei postar poemas mais recentes, portanto só irei datar aqueles que eventualmente venham a fugir do presente, para não ter que ficar repetindo as datas.
Beijos e Rosas.

No momento, 'Quem' não passa
De um 'Que' esquecido de parar,
Tardando em se encontrar.
Foi além de faltar compreensão,
Sobrou uma parte inexplicada
Dentro da fornalha, um carvão.
A labareda do ser não ateou
Fogo completo, fogo pleno,
Um pedaço esfarelado restou.
Quem, eu? Queimou.
E o cheiro de incenso
Encheu a fornalha de resquícios:
Há as partes perdidas no chão
Há as partes perdidas no vão.
Há um cheiro de 'Quem'
A fumacear nesse ar
Vagando em meio ao queimar;
Há uma essência de 'Que'
A se esfarelar no assoalho
E não há como se juntar
O que esfarela e o quem fumaceia.

(15 de Junho de 2009)

As flores são espelhos

Acho que nem sempre as flores belas são mais belas:
Gosto da vitória-régia -
Gosto do verde regente,
Do ato vitorioso de ser plana.
Gosto o marca-passos
Que transita sobre a água
Quando uma rã embarca-a.
Gosto a fábula que se dá
Entre o grilo e o peixe
Na hora do jantar.
O levitar entre rios
Quando o céu, desmoronando,
Inunda as bordas
E não consegue afogá-las.
Amo o vórtice das correntes
Contra o qual resistem firmes
As longas tranças verde-amareladas;
O rodopio corpulento e lento,
Como se um relógio
A ir e voltar,
E mais ainda o verde e azul
Que lhe cercam
(Molhos de rosa não têm por onde desabrochar
Nos vasos de vidro sobre a estante).
Gosto mesmo é do ar
Que se dá onde há
A régia simplicidade
E vitória natural
Da vitória-régia.

(25 de Março de 2008)

Poente

Você não sabe o que se passa
A sentidos fechados;
Não pode imaginar
Quão tamanha é a fauna de feras
E diversos os seus venenos
Quando a tarde está calada.
Você não conhece as cores
Que este poente pode assumir
De azul, a laranja, a vermelho
Em tão pouco tempo a transcorrer;
Pudera a tarde ser noite
E estrelada de todo nas horas passar,
Mas não se deve fantasiar
Pois o amanhã alvorece
E outro crepúsculo
Há de sempre verter.

(24 de Março de 2009)

Ponto de vista

Há quem diga que há
O que se diga
Dentro do microscópio;
Mas quem dizer não há
Que se diz muito melhor
Quando fora dele está?
Há de se contar
Que contei muito melhor
Quando o observava
E agora que o sou
Posso só me transtornar
Em só nele me focar
E não falar sem me afogar.
Mas e se não entrar,
Eu consigo escutar
O som que não há no ar?
Se eu não mergulhar
Compreendo muito mais
Ou me perco em irreais
Tentativas de falar?
Se fora fico, desfoco,
Desaprendo;
Se me envieso
Impuro compreendo.
Diga-me se há o que há
De dizer, de falar
Entre ser olho e microscópico.

(15 de Maio de 2008)

Poema do espelho

Este poema, na verdade, não tem nome. Seu título tem ambições precisamente materiais, ou seja, eu pretendo, um dia, realmente escrevê-lo num espelho... rs.

Alguém precisa contar o que você faz
E as ideias que preponderam na tua face
Mas não escondem a fera assassina
Da tua vontade.
Goético, Goético... Guardas aí
O segredo dos teus demônios
No jarro transparente dos teus olhos
E bainhas ensanguentadas da tua boca,
Mas a besta não morre afogada confinada na mente
Ou ferida por espada. A besta não morre.
Por arrancar a unhas os traços de monstro do rosto
Macularás, entre fera e ferido,
A sádica vida que bate em teu peito
E por fim verás que és ela.

(13 de Maio de 2008)

Eu e meus dentros

Há rasgos e há rasgos nessa personalidade
Que me fala ser eu
- Há o polvo, há a cobra,
E nem por isso sobram ou faltam opiniões.
Falta um prazer após o sexo
Ou um desgosto ao assassinato;
Trava sempre uma memória dúbia após o ato
- Come os cabelos e se arranha
Acaricia e se trata -
Entre o blásfemo que erotiza aos lados,
O nada que se conscientiza por dentro
E o telepático que ritmiza por trás.
Falta um ponto sobre o universo
Que grite a fala e a vontade.
Não quero mais uma democracia que me rasga
Um consenso que me faça e desfaça ao instante,
Estalando sobre seus parcos parafusos.
Pare o erótico e o rítmico!
Não é bem a erotimia que me acelera
Ou o prazer que me faz carne.
Arranca minha pulsação
E me faz mais homem do que alma
Para eu ser carne acelerada anti-erotímica.

(15 de Janeiro de 2008)

Metáfora da fronteira

Vivo num precipício
Entre o abismo
E o céu de êxtase.
Moro numa fotografia
No instante de deslize
E balanço.
Cavo entre noite e dia;
Busco um transe de crepúsculo vespertino
Ao amanhecer.
Nado no preto das estrelas
Em torno do breu
Enaltecido e esmiuçado
Que longe está.
E seria este
Eu?

(De 15 a 18 de Outubro de 2007)

Palavras, palavras, palavras, palavras, palafrário

Eu sou feito de palavras:
Vês a minha textura?
Mas as minhas palavras
Fluem do corpo,
Atravessam cada osso
E se materializam.

As minhas palavras
São entalhos de pedra
Onde só há concreto.

As minhas palavras
São nós nos cabos
De mil margaridas,
Todos detalhados,
Requintados
E deitados na grama.

As minhas palavras
São tão desconexas
Que às vezes me passo
Por simples boneca
Em suas mãos,
Em seus passos.

(27 de Outubro de 2006)

Protopoesia

Há um meio caminho a se complementar,
Só um ritmo sujo no paladar;
Eu preciso da resposta, da dança obscura
Que me apague, me destrua,
Torne-me poesia.
Há uma poça na calçada
Deslizando pela guia,
Um espelho embaçado diante de mim.
Meu reflexo não consigo
Minha face está nua
Vou pular na água turva
Fazê-la me mostrar!
Me infernize e combata,
Ignore a agonia;
Traia minha confiança
Prá eu poder me embebedar.
Oxalá que o oxalato
Fosse-me desneutralizado;
Quero mais que o complemento:
Quero além do fim chegar!

(20 de Maio de 2008)

Apresentação

Bom, não sei muito bem o que falar a respeito do que vou postar aqui. Minha intenção, à princípio, é divulgar pura e simplesmente alguns dos poemas, ou protopoemas, como prefiro chamá-los, de minha autoria. Provavelmente vou me abster ao máximo de comentá-los, a não ser para especificar uma ou outra circunstância, quer objetiva, quer subjetiva, do tempo do poema. Mas espero que quem eventualmente dê-me a honra de ler uma ou outra postagem deixe sua opinião, negativa ou positiva, para que eu possa estar sempre tentando melhorar.
Eventualmente poderei vir a falar de outros assuntos, ou mesmo postar textos que em nada se relacionam às aspirações líricas deste blog, mas o farei com o intuito de acrescentar mais da minha experiência de vida, minhas opiniões, ou mesmo posturas políticas, visando dar um maior contexto daquilo que está por trás de tudo o que escrevo.
Os primeiros poemas a serem aqui divulgados datam de alguns meses ou anos atrás, portanto especificarei suas datas de confecção. Meu objetivo ao começar este blog com eles refere-se ao fato de serem alguns dos que mais falam sobre mim e, portanto, explicitam as diretrizes de que me valho quando escrevo.
O primeiro protopoema chama-se "Protopoesia", que escolhi para encabeçar essa listagem por motivos óbvios... Espero que gostem (ou não! rs...)!
Por fim, como diria uma antiga amiga que marcou profundamente meus escritos,
Beijos e Rosas.