terça-feira, 23 de junho de 2009

Quem?

Termino esta série introdutória com meu mais recente poema, de ordem experimental, que segue a linha de autoanálise e autocrítica que eu tento observar na maioria daqueles protopoemas que chamo de 'egocêntricos'. À partir daqui, tentarei postar poemas mais recentes, portanto só irei datar aqueles que eventualmente venham a fugir do presente, para não ter que ficar repetindo as datas.
Beijos e Rosas.

No momento, 'Quem' não passa
De um 'Que' esquecido de parar,
Tardando em se encontrar.
Foi além de faltar compreensão,
Sobrou uma parte inexplicada
Dentro da fornalha, um carvão.
A labareda do ser não ateou
Fogo completo, fogo pleno,
Um pedaço esfarelado restou.
Quem, eu? Queimou.
E o cheiro de incenso
Encheu a fornalha de resquícios:
Há as partes perdidas no chão
Há as partes perdidas no vão.
Há um cheiro de 'Quem'
A fumacear nesse ar
Vagando em meio ao queimar;
Há uma essência de 'Que'
A se esfarelar no assoalho
E não há como se juntar
O que esfarela e o quem fumaceia.

(15 de Junho de 2009)

As flores são espelhos

Acho que nem sempre as flores belas são mais belas:
Gosto da vitória-régia -
Gosto do verde regente,
Do ato vitorioso de ser plana.
Gosto o marca-passos
Que transita sobre a água
Quando uma rã embarca-a.
Gosto a fábula que se dá
Entre o grilo e o peixe
Na hora do jantar.
O levitar entre rios
Quando o céu, desmoronando,
Inunda as bordas
E não consegue afogá-las.
Amo o vórtice das correntes
Contra o qual resistem firmes
As longas tranças verde-amareladas;
O rodopio corpulento e lento,
Como se um relógio
A ir e voltar,
E mais ainda o verde e azul
Que lhe cercam
(Molhos de rosa não têm por onde desabrochar
Nos vasos de vidro sobre a estante).
Gosto mesmo é do ar
Que se dá onde há
A régia simplicidade
E vitória natural
Da vitória-régia.

(25 de Março de 2008)

Poente

Você não sabe o que se passa
A sentidos fechados;
Não pode imaginar
Quão tamanha é a fauna de feras
E diversos os seus venenos
Quando a tarde está calada.
Você não conhece as cores
Que este poente pode assumir
De azul, a laranja, a vermelho
Em tão pouco tempo a transcorrer;
Pudera a tarde ser noite
E estrelada de todo nas horas passar,
Mas não se deve fantasiar
Pois o amanhã alvorece
E outro crepúsculo
Há de sempre verter.

(24 de Março de 2009)

Ponto de vista

Há quem diga que há
O que se diga
Dentro do microscópio;
Mas quem dizer não há
Que se diz muito melhor
Quando fora dele está?
Há de se contar
Que contei muito melhor
Quando o observava
E agora que o sou
Posso só me transtornar
Em só nele me focar
E não falar sem me afogar.
Mas e se não entrar,
Eu consigo escutar
O som que não há no ar?
Se eu não mergulhar
Compreendo muito mais
Ou me perco em irreais
Tentativas de falar?
Se fora fico, desfoco,
Desaprendo;
Se me envieso
Impuro compreendo.
Diga-me se há o que há
De dizer, de falar
Entre ser olho e microscópico.

(15 de Maio de 2008)

Poema do espelho

Este poema, na verdade, não tem nome. Seu título tem ambições precisamente materiais, ou seja, eu pretendo, um dia, realmente escrevê-lo num espelho... rs.

Alguém precisa contar o que você faz
E as ideias que preponderam na tua face
Mas não escondem a fera assassina
Da tua vontade.
Goético, Goético... Guardas aí
O segredo dos teus demônios
No jarro transparente dos teus olhos
E bainhas ensanguentadas da tua boca,
Mas a besta não morre afogada confinada na mente
Ou ferida por espada. A besta não morre.
Por arrancar a unhas os traços de monstro do rosto
Macularás, entre fera e ferido,
A sádica vida que bate em teu peito
E por fim verás que és ela.

(13 de Maio de 2008)

Eu e meus dentros

Há rasgos e há rasgos nessa personalidade
Que me fala ser eu
- Há o polvo, há a cobra,
E nem por isso sobram ou faltam opiniões.
Falta um prazer após o sexo
Ou um desgosto ao assassinato;
Trava sempre uma memória dúbia após o ato
- Come os cabelos e se arranha
Acaricia e se trata -
Entre o blásfemo que erotiza aos lados,
O nada que se conscientiza por dentro
E o telepático que ritmiza por trás.
Falta um ponto sobre o universo
Que grite a fala e a vontade.
Não quero mais uma democracia que me rasga
Um consenso que me faça e desfaça ao instante,
Estalando sobre seus parcos parafusos.
Pare o erótico e o rítmico!
Não é bem a erotimia que me acelera
Ou o prazer que me faz carne.
Arranca minha pulsação
E me faz mais homem do que alma
Para eu ser carne acelerada anti-erotímica.

(15 de Janeiro de 2008)

Metáfora da fronteira

Vivo num precipício
Entre o abismo
E o céu de êxtase.
Moro numa fotografia
No instante de deslize
E balanço.
Cavo entre noite e dia;
Busco um transe de crepúsculo vespertino
Ao amanhecer.
Nado no preto das estrelas
Em torno do breu
Enaltecido e esmiuçado
Que longe está.
E seria este
Eu?

(De 15 a 18 de Outubro de 2007)

Palavras, palavras, palavras, palavras, palafrário

Eu sou feito de palavras:
Vês a minha textura?
Mas as minhas palavras
Fluem do corpo,
Atravessam cada osso
E se materializam.

As minhas palavras
São entalhos de pedra
Onde só há concreto.

As minhas palavras
São nós nos cabos
De mil margaridas,
Todos detalhados,
Requintados
E deitados na grama.

As minhas palavras
São tão desconexas
Que às vezes me passo
Por simples boneca
Em suas mãos,
Em seus passos.

(27 de Outubro de 2006)

Protopoesia

Há um meio caminho a se complementar,
Só um ritmo sujo no paladar;
Eu preciso da resposta, da dança obscura
Que me apague, me destrua,
Torne-me poesia.
Há uma poça na calçada
Deslizando pela guia,
Um espelho embaçado diante de mim.
Meu reflexo não consigo
Minha face está nua
Vou pular na água turva
Fazê-la me mostrar!
Me infernize e combata,
Ignore a agonia;
Traia minha confiança
Prá eu poder me embebedar.
Oxalá que o oxalato
Fosse-me desneutralizado;
Quero mais que o complemento:
Quero além do fim chegar!

(20 de Maio de 2008)

Apresentação

Bom, não sei muito bem o que falar a respeito do que vou postar aqui. Minha intenção, à princípio, é divulgar pura e simplesmente alguns dos poemas, ou protopoemas, como prefiro chamá-los, de minha autoria. Provavelmente vou me abster ao máximo de comentá-los, a não ser para especificar uma ou outra circunstância, quer objetiva, quer subjetiva, do tempo do poema. Mas espero que quem eventualmente dê-me a honra de ler uma ou outra postagem deixe sua opinião, negativa ou positiva, para que eu possa estar sempre tentando melhorar.
Eventualmente poderei vir a falar de outros assuntos, ou mesmo postar textos que em nada se relacionam às aspirações líricas deste blog, mas o farei com o intuito de acrescentar mais da minha experiência de vida, minhas opiniões, ou mesmo posturas políticas, visando dar um maior contexto daquilo que está por trás de tudo o que escrevo.
Os primeiros poemas a serem aqui divulgados datam de alguns meses ou anos atrás, portanto especificarei suas datas de confecção. Meu objetivo ao começar este blog com eles refere-se ao fato de serem alguns dos que mais falam sobre mim e, portanto, explicitam as diretrizes de que me valho quando escrevo.
O primeiro protopoema chama-se "Protopoesia", que escolhi para encabeçar essa listagem por motivos óbvios... Espero que gostem (ou não! rs...)!
Por fim, como diria uma antiga amiga que marcou profundamente meus escritos,
Beijos e Rosas.