segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Desabafo

Ave tempos de pedaços,
Esses esparsos
Que não dizem nada
E vão falando
Um discurso passivo,
Brigado com todos,
Furioso consigo,
Perdido no umbigo
Sem subir nas entranhas ou descer.
Querem pular da janela
Mas temem o chão;
Querem ficar de joelhos
Mas os pés doem pedindo o assoalho.
Enfim, estes tempos só queriam falar.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

As nuvens

Parece que agora as nuvens estão andando
E vão para algum lugar que poderia me importar.
Mas vale-me mais pensar nas nuvens que vêm chegando
E o novo céu que elas desenham no seu passar.
Quais estrelas mostrarão?
Quais ocultarão?
Que vento lhes traz,
De que direção?
Correm hoje soltas
As nebulosas áureas na cidade;
Entram nas ruas, corretas ou perdidas,
Seguindo o fluxo ou na contramão.
Mas tudo ainda parece ter um mesmo destino:
O que sempre há de vir e passar são nuvens.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O último poema da varanda

Houveram noites do morcego negro
Que eu temia
Mesmo na inofensividade de seu voo.
Ele me olhava e trancafiava,
E por anos me escondi.
Minha varanda ficava fechada
Meu céu, envidraçado
E a rua, muda.
Hoje aqui fora estou
E não vejo o rapinador.
Hoje a noite é do gato branco
Que chega, me vê,
Manda-me abrir a cortina e o vidro
E passa esguio
Por seu próprio caminho,
Sem ninho ou rapina,
Apenas uma breve passarela.

Expto Nº3

(Escrito em 12 de Junho de 2008)

Na ausência do título,
Vou à experimentação
Do beijo seco
Que é a nua
Metalinguagem.
Fiz poesia?

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Expto Nº2 (ou o Poema do inorgasmo)

(Escrito em 31 de Março de 2008)

Beijaram minha boca
Nua e branca
E um grande fio de saliva crua
Dependurou-se.
Sou a gueixa do básico,
O fático ser;
Maculo os meus pensamentos
Com manchas escuras
De uma lata de tinta vazia.
Dentro do meu castelo
Vive um minotauro
Com cabeça de homem;
E eu fujo desesperado
Da memória dos seus olhos de touro
(Se bem que não me lembro de os jamais ter visto).
Meus contos de fadas
São eróticos
E as princesas
Meretrizes
Que choram todas as vezes que são contratadas
Mas sempre tornam a trabalhar.
Sou a gueixa do esdrúxulo,
Do vaso (sanitário) enfeitado;
Entrego-me como puta
A fantasmas de coringas
Que não consigo calar;
Não compreendo um raciocínio
Enquanto gritam em mim
Gargalhadas desfocadas
Que giram loucas em meus olhos:
Flameja a cegueira...
Afinal, tudo retorna
A um beijo cru,
Remonta a um sentimento nu.

Perfume

Podes sempre amar a cor dos dias floridos,
Mas nunca te esqueças de procurar neles
O perfume que não vês,
O perfume que resta,
O eterno perfume,
Piegas perfume.

Nota: Experimentos

Vim por meio deste breve interlúdio fazer alguns comentários acerca dos próximos poemas que postarei. Em se tratando do primeiro, gostaria de explicar que ele foi inicialmente concebido como segunda estrofe de Conto de Amanda, mas depois de uma análise mais profunda (propiciada por uma discussão com uma amiga minha), percebi que havia uma ruptura grande o sucificiente para torná-lo incompatível com o discurso da personagem, já que se relacionava mais a uma opinião pessoal do autor. Desta cisão nasceu, então, Perfume.
Em segundo lugar, destaco que postarei alguns poemas nomeados Experimentos. Entretanto, como há de se notar, começarei tal série com Expto Nº2 (ou o Poema do inorgasmo). Isso se deve ao altíssimo grau de pura experimentalidade do primeiro poema da série, o que me leva a considerá-lo mais como uma quebra do meu antigo estilo no sentido psicológico da escrita. Portanto, não hei de postá-lo.
Gostaria também de destacar que estes poemas, e os subsequentes, são poemas mais fortes, e lidam com palavras que têm intenções mais explícitas de confrontar o sentido moral com o qual costuma-se tratar a poesia.
Dadas estas considerações, seguem as duas supracitadas postagens: Perfume e Expto Nº2 (ou o Poema do inorgasmo).
Beijos e Rosas.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Conto de Amanda

O amor era piegas
Em seu viés degringolado
De passos desleixados;
Tinha dias daqueles
Tão gostosos de descuido
Em que eu mirava o rosto dele
Como quem mira um chateau francês
Ao pôr-do-sol; piegas.
Vem cravado na memória
Aquele amor de sempre,
Que todo mundo já amou
Ou quis amar,
De sorrisos bem feitos
E vidas desfeitas por um traço
De uma saudade constante;
Eram dias floridos de pura cor.
Mas... Estranho,
Dia desses de calor
Acordei meio tonteada
Numa cama que não era minha,
Um colchão endurecido,
Num quarto negro
De estranhas vozes a passar.
Eram tons tão rebuscados
Sem imagem, sem contorno,
Que me senti perdida;
E ensandecida
Gritei pelo nome de meu amor,
Que paciente respondeu
Pedindo calma e sossego;
Colou na minha mão
Pincelando um beijo em minha testa -
Senti naquele beijo doce e amargo
A história dos dias que meu tempo esqueceu;
Entendi que os dias floridos
Não teriam mais sua cor.
Fomos eu e os dias pálidos,
Murchos, secos, frios,
E trouxe embora os calafrios
Até a porta de minha casa,
Que já nem me parecia estar lá.
E cruzada a porta
Do que soava como meu perene destino,
Meu amor trouxe um buquê
Do perfume mais intenso
Que eu jamais tinha percebido,
E ao som de uma Modinha
Criou em mim a cor dos novos dias
Mergulhados em fragrância pura:
Diz que eterno morreria
Buscando em mim o seu amor.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Finalística reversa

Olha bem estes pedaços
E hás de descobrir
Que suas bordas quebradas
São, de fato, esculpidas.
Fita os estilhaços
Dispersos no caminho
E verás o desenho do tempo
Sobre os teus descaminhos.
Tudo o que dizes findado
E que resumes: 'é assim',
Entorna no tempo devasso
Um relapso e eterno desfim.
Falta no momento
Momentaneidade
Sobra nos segundos
Atemporalidade;
Então colhe os pedaços
E cola estilhaços,
Pois nem o tempo
Há de dar-lhes fim.

Indesejo

(Escrito de 06 a 07 de Maio de 2008)

Já me tramitaram pensamentos que matei;
Percorreram-me vícios elétricos
Num circuito fechado, conservante,
Espesso e acelerado.
Eu corto os fios.

A gruta d'alma afogo,
O poço, entulho -
A pista, aterro.

Calei muitos loucos em mim,
Acordei silêncios e falas pactuadas.

Eu não olhei em teus olhos,
Não mais.
Era preciso trancar a porta.

Mas essa semana
Tramitam-me ressurretos,
Queima-me uma intensa corrente
- não há lápides ou fios,
Mas cá estão: pensares e anseios.

A caverna jaz seca,
O poço transborda
E a rua está limpa.

Os laços estão excomungados,
Queimados e inválidos.

Eu só olhei em teus olhos
E a porta trancada
Desabou.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Carma

Todo dia tem um carma,
Um momento,
Um espasmo de brilho.
Uma vista, uma paisagem,
Um beijo, uma palavra;
Qualquer coisa,
Qualquer tento,
O sol, a lua, alguém;
Um café, uma saída,
Uma foto, telefonema.
Todo dia tem um sorriso
Dentro, fora ou ao avesso;
Nem precisas procurá-lo:
Nele cais com um tropeço.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Frutifera

(Escrito em 21 de Outubro de 2008)

Daqui jazem mortes inexplicáveis
Donde se faz alguma vida -
A corrente ambígua
Em estado de choque,
Ou simples estagnação
Corrida, apressada!
Caça as cores espúrias
Que elas estão vazando desenfreadas
E não se sabe bem por quê;
A garganta está sangrando
Sangue implícito
Que se recusa a explicitar
E flores nascem no rasgo da pele
Já perdidas na noção de senso...
Eu não sei se são puras ou impuras!