sábado, 18 de dezembro de 2010

Aviso

A partir de hoje, as atualizações deste sítio serão postadas em http://vozificar.blogspot.com/.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Sobre pensar-se

Penso, às vezes, que somos excessivamente iguais. Penso que entre Freud e Lévi-strauss, entre urbano e democrático, viramos um punhado. Céus, até nossas crises são iguais, nossas tristezas, medos. Nossas músicas. Nossa arte. Odeio ser igual, talvez em todos os sentidos. Talvez não, não sei. Não posso odiar, digo-me. Ou dizem-me, sei lá, veja como quiser. Afinal, o problema é sentir-me igual por dentro e por fora. Ser igual sendo diferente. Ter que aceitar o fato de que somos todos diferentes, e nisso iguais. E daí mais uma das rotineiras crises, de que tanto ouvi em mim e outrem. É um tal de "não me encaixo nesse mundo" pra cá e "me sinto tão sozinho" pra lá. Um mundaréu de tristezas urbanas e depressões freudisíacas. Sim, freudisíacas. Quase poéticas. O que me insatisfaz é rolar, assim, rotineiramente, com meus problemas tão comuns querendo ser diferentes, pensando ser únicos. E isso é ser humano? Ter problemas comuns que se sentem, como diriam os americanos, exquisits? Porque sim, a melhor palavra seria esquisito. Talvez. E talvez seja, no fim das contas, a similaridade e não a diferença que causa o que rotulamos por problemas públicos. Vá lá guerra, violência urbana, o que você quiser. Penso assim: se fulano me assalta não é porque somos excessivamente diferentes, ele lá na favela, eu cá no condomínio, mas porque somos iguais. Temos, hora ou outra, os mesmos problemas, os mesmos pensamentos, os mesmos anseios e, hora ou outra, tudo isso colide e se antagoniza. Antagonizamo-nos pelas igualdades, se quiser. Afinal, já somos um punhado, por que não embutir um punhal? Por mais liricamente ignóbil que possa soar o trocadilho. Queria mesmo é me libertar dessa cadeia viciante de pensamentos e reflexões que, digo-me, fazem-me humano. Talvez abrir mão de um punhado de humanismo, humanitarismo e qualquer outro lato senso do politicamente correto para ver se encontro aí um humano. Pena que, de novo, sou um punhado de lato senso. Penso que devo concluir ser inútil. Afinal, há quem tenha teorizado até o pensamento. Estou, então, destinado a uma prisão de pensamentos encadeados, encadernados, que me movem, tornam-me tão humano e tão (ignobilmente) vão. Ignóbil, por fim.

Aí, então, sou eu:

Uma estrofe que se estufa de som,
Que se sabe ruído,
Deseja-se tom
E morre de tanto inspirar.

domingo, 28 de novembro de 2010

Verde abacate II

(22 a 27 de Novembro de 2010)

Se pintasse um abacate
Pincelaria água embebida em frutas do abacateiro.
Se me travestisse
Seria pela noitada.
Nada pelo quadro ou corpo:
Simplesmente far-me-ia pincel e echarpe;
Um pincel bem pomposo
E uma echarpe bem verde,
Só pela delícia de fazer.
Só, simplesmente.

domingo, 21 de novembro de 2010

Agenciamento

'Tens o beneplácito?'
Pergunta-me estrito o atendente.
'Tenho bonança!'
Respondo esguio.
Mas vontade de espírito
Basta apenas na fila.
Cá no caixa é preciso licença,
Que desprezível seria se requisitada
Entre as linhas de direção do pré-caixa.
Até a velhota com preferência
Soa-me meio desaforada.
Mas cá não basta filar-se à vontade.
Benefício requer contrato
E o contrato me pede resquícios
De que não posso me abster.
'Bem' - suspiro;
Resta-me então caçar um lugar
Que file beneplácitos e encaixe bonanças.
'Com licença.'

Verde abacate

(17 de Novembro de 2010)

Queria um dia de Cesar,
De
veni, vidi, vici.
Queria um trigal louro
Num dia ventante;
Um dia de Hollywood,
Um vestido de Marilyn
E um amante vultoso.
Queria ser Isle of Wight
E Vasco da Gama
Ao mesmo tempo.
Queria ser fada
E uma barra de chocolate.
Queria quereres de sabiá
Que sabia só poder viver
Num abacateiro,
Saudoso da gaiolinha.

Poesia caseira

(18 de Outubro de 2010)

Faz tempo que não faço um poema
Desses espumosos.
Um bem borbulhante, de espuma grossa.
Há muito não tenho sabão.
Pobre de minha
jacuzzi,
Espelhada, sem corpos nus.
Pior de tudo é a pele feita em bulbo velho,
Que ainda lembro vermelha e gorda do banho passado.

Ah!

Passa o sabão em pó que vou dar um pulo na piscina.

Fobia

(12 de Outubro de 2010)

Eu tenho sempre um mesmo sonho
Em que pulo da varanda
E explodo no chão.
Sempre pulo, não sei por que;
Mesmo com as veias em risco de medo
Traçando a dianteira;
Mesmo com o sangue
Esculpindo as sobrancelhas.

E me pergunto 'por que saltarei
Se sei do chão?
Po que me inclinei entre as grades
Do pouco espaço entre mim e o vão?
Por que me deixei
Neste esparso lapso de verso
Em que desejei ser reverso?'

Só sei que sempre sonhei e pulei.

Tempero

(08 de Julho de 2010)

Discordo dos conservadores
Mas também dos modernistas.
Bom mesmo é um mix
De velho com novo:
Uma casa no campo
Com cara de apartamento paulistano;
Uma peça de teatro cinquentista
Travestida de musical da Broadway;
Uma comida caseira
Com coca-cola.
Bom mesmo é ter sempre a mesma sensação
Com um toque de emoção.

domingo, 30 de maio de 2010

Areno

Estes são os versos de um touro de arena;
Um leve, negro touro.
Os versos de um que de arena nada sabia.
Versos leves de um dia de arena
Que de areia no céu
E palmas batendo a cascos
Não se sabia.
Estes versos serenos ensurdecidos no céu da arena
Que de areia e agito vermelho
Fizeram-se, sem saber.
Estes versos lentos ao som sereno
Do agito cândido de vermelho na areia
E a areia nas palmas de cascalho
A se agitar.
Estes, os versos vermelhos
De agito sereno
Mergulhados na areia
Ensurdecendo ao cascalho
Enroscados na areia vermelha,
Sem saber da prata da arena
E seu brilho leve, negro
Que de um touro podia restar;
Ao perene sereno veneno
De areia tingida
Na arena que só de vermelho instigara
E só em vermelho poderia se manchar.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Escrever

Para passares um rio
Necessitas de pedras
Entremeando a água.
Salta-lhes entre ligeiro e complexo,
Espirra umas gotas de corredeira
E alisa, eventual como um gracejo, o molhado.
Nunca passes um rio
Como quem o salta,
Pois sem um pingo no corpo
Simplesmente o cruzaste;
Também nunca passes
Como quem o nada,
Pois ensopado falhaste.
Passe um rio
Bem por cima da orla
Ali, no seco e aguado,
Que intercala o fundo e o espaço
Como uma serpente espelhada
A te passar.